24 de Abril, 2025

ONG sob ataque: o que está em jogo

Talvez já tenhas visto um comentário de ataque num post de uma ONG, uma resposta agressiva a uma notícia sobre cooperação internacional ou uma partilha em grupos de Facebook a acusar uma ONG de “não ajudarem os nossos”.

Na Sol sem Fronteiras, também notamos que isso tem acontecido cada vez mais nas nossas Redes Sociais. Frases como “ajudem antes os portugueses” têm-se tornado frequente. Mas sabias que este tipo de discurso não é apenas desconfortável? É sintoma de algo maior.

O que à primeira vista parece apenas uma onda de comentários desagradáveis nas redes sociais é, na verdade, reflexo de um fenómeno mais profundo e coordenado que está a acontecer em vários países da Europa: o ataque sistemático à legitimidade das organizações da sociedade civil.

O que está a acontecer com as ONG na Europa?

Nos últimos anos, várias ONG na Europa têm sido alvo de ataques por parte de figuras políticas e movimentos que tentam limitar o seu espaço de atuação. Um dos exemplos mais recentes aconteceu no Parlamento Europeu, em janeiro de 2025, quando eurodeputados do Partido Popular Europeu e da extrema-direita lançaram um debate contra o financiamento público de ONG, especialmente daquelas que trabalham com ambiente e direitos humanos.

As acusações basearam-se em desinformação e insinuações infundadas. Diziam, por exemplo, que a Comissão Europeia estaria a pagar ONG para fazerem lobby político em seu nome. O alvo principal foi o programa LIFE, que apoia projetos de ação climática e conservação ambiental em toda a União Europeia. Este é um programa com critérios rigorosos, concursos públicos transparentes e auditorias regulares, mas isso não impediu que fosse apresentado como escandaloso.

Este tipo de ataque às ONG não é apenas uma crítica ao uso de fundos, mas uma tentativa de enfraquecer o papel das ONG e de as tornar suspeitas aos olhos da sociedade para as silenciar.

Este cenário foi recentemente denunciado numa declaração assinada por mais de 570 organizações da sociedade civil europeia, incluindo a Plataforma Portuguesa das ONGD, da qual a Sol sem Fronteiras faz parte. O documento alerta para o risco real de enfraquecimento do espaço cívico e apela a todas as forças democráticas para que se oponham à desinformação e defendam o papel das ONGs na construção de políticas públicas justas e informadas.

Por que razão as ONG estão sob ataque?

O aumento dos ataques às ONG não é um acaso. Há razões muito concretas, e perigosas, por trás desta tendência.

Em primeiro lugar, há um uso intencional da desinformação para criar polémicas artificiais com fins políticos. Certos partidos e figuras públicas têm promovido ideias falsas sobre o trabalho das ONG porque isso lhes permite ganhar visibilidade, mobilizar emoções negativas e criar um “inimigo interno” fácil de apontar. Estas narrativas simplistas tornam-se eficazes precisamente porque apelam ao medo, à frustração e à desconfiança, mesmo quando não têm qualquer base na realidade. Assim, organizações que trabalham com transparência e impacto tornam-se alvos públicos fáceis.

Por trás disso, há também um cálculo político evidente. As ONG representam valores como a solidariedade, os direitos humanos, a proteção ambiental e a justiça social — valores que incomodam projetos políticos populistas ou autoritários. Atacá-las é uma forma de ganhar atenção, mobilizar eleitores mais radicais e criar uma divisão artificial entre “os nossos” e “os outros”.

Além disso, as ONG fazem algo que nem sempre agrada aos grandes interesses económicos: fiscalizam, denunciam, propõem mudanças estruturais. Ao defenderem causas como o combate às alterações climáticas ou os direitos das populações vulneráveis, tornam-se obstáculos para quem pretende manter o status quo. É por isso que, enquanto se atacam ONG com orçamentos limitados, quase nada se diz sobre as empresas que gastam centenas de milhões de euros por ano em lobbying nas instituições europeias.

Finalmente, há uma questão mais profunda: o enfraquecimento do espaço cívico é uma marca comum de regimes autoritários. Quando os governos ou partidos veem as organizações da sociedade civil como uma ameaça, tentam restringir a sua autonomia e questionar a sua legitimidade. É isso que está em jogo: não apenas o financiamento das ONG, mas o direito à participação democrática de forma livre e informada.

Por que isto nos deve preocupar a todos?

As organizações da sociedade civil existem para garantir que os direitos, as vozes e as necessidades de todas as pessoas sejam ouvidas, mesmo quando não têm acesso ao poder.

Seja na educação, no apoio social, nos direitos das mulheres ou na proteção do ambiente, as ONG estamos onde muitas vezes o Estado ou o mercado não chegam. Ou seja, representamos uma forma de ação coletiva, construída com base no trabalho em rede e na participação democrática.

Assim, quando se espalha a ideia de que “não fazemos nada”, não é apenas uma questão de reputação o que está em causa. É o próprio tecido democrático que se enfraquece. Porque uma democracia saudável precisa de vozes críticas, de fiscalização cidadã, de espaços de intervenção livre. Por isso, o aumento da desconfiança em relação às ONG afeta a capacidade coletiva de cuidar, de denunciar, de transformar. E essa perda é de todos.

Neste momento em que as ONG estão sob ataque e o discurso público se torna mais polarizado e hostil, é urgente recordar: as ONG não somos o problema. Somos uma parte essencial da solução.

 

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