6 de Setembro, 2024
História de vida da Mana Joana e as etnias da Guiné-Bissau
Durante o seu voluntariado em Bissau, no âmbito do projeto Missão Cor Unum, a nossa voluntária Joana Barra teve a oportunidade de mergulhar na cultura e na vida quotidiana da comunidade local. Como resultado, conheceu a Mana Joana, uma mulher cuja história de vida encapsula a riqueza das tradições das etnias que caracterizam a Guiné-Bissau. Joana Barra registou com carinho o testemunho desta mulher extraordinária, que segue em continuação.
História de vida de Joana da Mata
Assim que me apresentei à comunidade de Cuntum Madina, todos me disseram que tinha de conhecer alguém com o mesmo nome que eu, Joana da Mata, ou Mana Joana, como é conhecida por todos.
A Mana Joana é realmente uma mulher muito especial.
Tem 75 anos, reside em Cuntum Madina, mas nasceu em Bijagós. A sua etnia está dividida entre manjaco, bijagós e papel.
O seu início de vida foi um autêntico milagre, nascida prematura de 7 meses, o seu pai e restante família acreditaram que a bebé se tratava de uma maldição. Desta forma deixaram-na abandonada na mata acreditando que se morresse a família ficaria em segurança. Mas a vida trocou-lhes as voltas e a Mana Joana foi trazida na boca de um cão novamente para casa. O seu pai decidiu fugir com medo das implicações da sua sobrevivência e a Joana viveu sempre com a mãe e padrasto.
Desde muito cedo quis ser freira, mas a sua família não aprovou e ao final de 3 casamentos arranjados, lá cedeu à quarta tentativa.
Ainda assim, sempre esteve ligada à igreja. Começou por dar educação moral e religiosa em diferentes tabancas e, mais tarde, quando se mudou para Bissau, formou a primeira comunidade cristã católica de Anuarite, que se reunia numa pequena barraca (como a mesma lhe chama) ali perto. Confessa que andou de porta em porta, mas que a sua maior alegria é ver como uma pequena comunidade cresceu e agora se junta na paróquia de Anuarite, que mais tarde foi construída.
Mãe de 5 filhos, veio para Portugal uma boa temporada para poder estar perto dos mesmos, que construíram a sua vida por cá.
Neste momento está reformada e gosta de criar e vender ‘mezinhas’ que todos acreditam aliviar algumas doenças.
Tem um coração enorme e ficou no meu coração pelo impacto que tem na vida de com quem se cruza.
Joana Barra.
Uma visão sobre as tradições Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau é um país rico em diversidade cultural e espiritual, onde as várias etnias desempenham um papel crucial na preservação das tradições e na definição das identidades locais. A vida de Mana Joana é um exemplo claro dessa diversidade, uma vez que vemos a influência das três das principais etnias guineenses: Manjaco, Bijagós e Papel na sua trajetória. Cada uma destas etnias possui práticas culturais e espirituais distintas, que moldam a forma como as pessoas interpretam e vivem os acontecimentos da sua vida.
Papel das etnias na cultura da Guiné-Bissau
Os Bijagós têm uma forte ligação espiritual com a natureza e acreditam profundamente no poder dos espíritos. Assim sendo, esta crença pode explicar por que, no nascimento prematuro de Joana, a família a considerou uma possível “maldição” e optou por abandoná-la para evitar um possível infortúnio. Do mesmo modo, o seu regresso também se deve a uma intervenção espiritual e deve ter permitido a sua integração na família.
Por outro lado, vemos a influência das tradições Manjacas na vida de Mana Joana. A prática dos casamentos arranjados demonstra como as expectativas culturais dos manjacos influenciam a vida das pessoas. No entanto, apesar das pressões culturais, a Mana Joana conseguiu seguir a sua fé, ilustrando como as tradições Manjacanas coexistem com outras práticas.
Por fim, também vemos na vida da Mana Joana algumas tradições da etnia Papel. Esta cultura valoriza a harmonia entre a comunidade e o mundo espiritual, algo que Mana Joana incorporou na sua prática de curandeira. A sua capacidade de criar e vender “mezinhas”, remédios tradicionais feitos a partir de ervas e outros ingredientes naturais, é um reflexo da importância que os Papel atribuem à relação com a natureza e à cura tradicional.
Influência crescente do cristianismo
A história de vida de Mana Joana, além de refletir estas tradições, também ilustra a crescente influência do cristianismo na Guiné-Bissau. Através da sua dedicação à Igreja Católica, Joana conseguiu fortalecer a sua fé e reunir uma comunidade ao seu redor, levando à fundação da paróquia de Anuarite. Este exemplo mostra como as crenças cristãs se integram com as tradições locais, criando uma fusão espiritual única.
Hoje, aos 75 anos, Mana Joana continua a simbolizar a força e a resiliência das mulheres guineenses. Ela mantém o seu papel como curandeira através das “mezinhas”, que são remédios tradicionais utilizados para tratar diversas afecções. As “mezinhas” são preparadas a partir de ervas e outros ingredientes naturais e representam a continuidade das práticas de cura tradicionais na vida moderna.
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