16 de Fevereiro, 2023

Entrevista com Natacha da Silva

Desde 2020 que a Solsef é a entidade responsável por promover a Educação para a Saúde através da Música, rumando de norte a sul de Portugal, para dinamizar sessões em escolas, associações e IPSS que trabalham com jovens dos 12 aos 25 anos levando-os a compreender e a gerir melhor as suas emoções, a refletir sobre o que é o bem-estar emocional e a importância de hábitos que mantenham a nossa mente e corpo são, tendo a música como principal ferramenta.

Para saber mais sobre este projeto entrevistámos a Natacha Torres da Silva, psicóloga clínica e de saúde é responsável do programa Cuida-te+ do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (IPDJ, I.P.) que visa a promoção de estilos de vida saudável junto dos/as jovens.

 

Como surgiu o programa Cuida-te + do IPDJ?

O primeiro programa de saúde juvenil do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. «CUIDA-TE», decorreu das competências que lhe são acometidas, que determinam que este instituto é responsável por «promover ações de sensibilização e aconselhamento, em particular nas áreas da saúde, comportamentos de risco, proteção de menores e ambiente, visando assegurar a realização e o bem-estar dos jovens».

A especificidade das intervenções junto de jovens implica a necessidade de ter em atenção os diferentes níveis de atuação e convocar todos, através de parcerias em diversas áreas. Uma das áreas que tem vindo a ser reconhecida como prioritária de intervenção nesta faixa etária é a da saúde mental, baseada em modelos ecológicos de intervenção e sustentados na articulação intersectorial, área de intervenção que não estava contemplada no formato original. Neste sentido, a lógica foi a de interligação mais profunda com os determinantes de saúde, dada a sua contribuição para o bem-estar e saúde dos jovens. É nesse sentido que se entendeu necessária, volvidos mais de dez anos desde a criação do programa «CUIDA-TE», a consubstanciação do programa nas recomendações que indicam que a intervenção preventiva e de promoção da saúde juvenil deverá basear-se na investigação teórica e metodológica, na procura da qualificação e da eficácia da intervenção, alicerçando-a na evidência científica, na utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, na gestão efetiva e eficaz dos recursos financeiros, no trabalho em equipa e multidisciplinar e numa relação de proximidade em articulação regional e local.

Desta forma, foi estabelecida, em 2019, a renovação do programa de saúde juvenil, criando o programa «Cuida-te +», decorrente da necessidade de uma intervenção capaz de responder às características desta faixa etária, reconhecendo-a, não apenas como um período complexo e de grandes mudanças, mas também como um período particularmente favorável à prevenção de comportamentos de risco e à promoção de comportamentos saudáveis.

Em termos gerais, em que consiste o programa?

No que se refere à sua estrutura, existem duas medidas, o Atendimento personalizado e a Literacia em Saúde, e cada uma delas tem três dispositivos. Ou seja, o programa tem seis formas distintas de intervir junto dos jovens, todas elas em 4 áreas de intervenção transversais ao programa.

Destes seis dispositivos, há três que são de acesso direto a jovens:

Os gabinetes de saúde juvenil (19 em Portugal Continental, um por cada capital de distrito, havendo dois em Lisboa); nestes gabinetes presta-se aconselhamento e seguimento a jovens de forma gratuita, por profissionais qualificados. Com acesso direto aos jovens também, temos a informação sobre saúde juvenil disponibilizada no portal IPDJ e a ferramenta interativa, na secção da saúde do portal IPDJ; a ferramenta chama-se “Coloca Aqui as tuas Dúvidas”, e os/as jovens podem, de forma anónima, colocar questões sobre saúde juvenil; as perguntas são respondidas num curto espaço de tempo, também por profissionais qualificados. O terceiro dispositivo de acesso direto, é uma linha telefónica gratuita, a Sexualidade em Linha, o 800 222 003, com uma equipa especializada na área para prestar aconselhamento e informação nesta área, também dirigida a jovens dos 12 aos 25 anos.

Quanto aos dispositivos de acesso indireto, chamam-se de acesso indireto por ser necessária a candidatura de entidades que pretendam que os seus e suas jovens beneficiem das atividades desses dispositivos. Estou a falar de ações de sensibilização e divulgação, asseguradas pelo dispositivo das Unidades Móveis. Estas unidades móveis são cinco carrinhas apetrechadas (uma por cada região do país) que se deslocam a locais com grande afluência de jovens (escolas, feiras, concertos, festivais…) para fazer ações de sensibilização e informação em cada uma das quatro áreas de intervenção do programa. E estou a falar também do dispositivo da Educação para a Saúde em que, através de metodologias ativas, como é o caso do teatro, da dança, da música, do desporto e da expressão plástica, se abordam as quatro áreas de intervenção do programa, promovendo a interação e a reflexão.

E falo ainda do dispositivo Capacitação, também com acesso indireto. Aqui integram-se todas as ações formativas dirigidas a pessoas que intervém com e para jovens na área da saúde juvenil.

Portanto: são seis dispositivos ao todo, três de acesso direto ao jovens e três de acesso indireto, por via de candidaturas. E em todos os dispositivos se visam estas quatro áreas de intervenção.

(Então como deverá fazer um jovem que procura suporte no Cuida-te +?)

Para qualquer jovem recorrer a um gabinete de saúde juvenil, deverá aceder aos links respeitantes à área geográfica em que se insere, indicados no portal IPDJ e utilizar os canais de contacto (email ou telefone) para indicar interesse em ser atendido.      A ferramenta interativa “Coloca Aqui as tuas Dúvidas”, também está no portal, com um formulário e têm a possibilidade de utilizarem um código, se não quiserem utilizar o email; com esse código poderem depois consultar, e verem a sua pergunta respondida. A Sexualidade em Linha tem um número de telefone, o 800 222 003, gratuito e também confidencial.

Quanto aos dispositivos de acesso indireto, para as entidades que pretendem que os seus e suas jovens beneficiem das atividades desses dispositivos, há todos os anos, no primeiro trimestre de cada ano civil, um período de candidaturas, anunciado no portal do ipdj e cujo formulário consta da plataforma de programas do ipdj, em programasjuventude.ipdj.gov.pt.

No caso do dispositivo Capacitação, as ações variam de acordo com as necessidades dos interventores. Estas formações, quando são extensíveis a interventores fora do programa, são também anunciadas no portal e nos canais do IPDJ.

Para sistematizar e procurando indicar os princípios basilares do programa, o Cuida-te + está alicerçado em seis conceitos fundamentais:

– Intervenção de Natureza Preventiva: o programa (sobretudo nos dispositivos de atendimento personalizado) dirige-se a jovens que ainda não tenham um problema instalado (ex: que ainda não estejam diagnosticados com uma psicopatologia, que ainda não façam um consumo de substâncias aditivas, etc) e que não estejam já numa abordagem clínica de intervenção, mais direcionada para o tratamento e que escapa totalmente, como é evidente, à área de missão do IPDJ;

– A confidencialidade é assegurada em todos os dispositivos do programa, bem como o anonimato (sempre que possível – nos casos da sexualidade em linha e da ferramenta “coloca aqui as tuas dúvidas”); em todos os dispositivos, procuramos recolher o mínimo de dados pessoais possível, para assegurar este desígnio;

– A auto-determinação de jovens face à sua saúde é o eixo principal: serem eles os agentes, os motores do seu percurso em prol da sua saúde e da promoção de comportamentos saudáveis e poderem contar com o programa sem precisarem de ser referenciados pela escola ou outro profissional de saúde, ou sequer de ter a autorização dos pais (embora o envolvimento destes seja determinante para o sucesso da intervenção);

– As equipas a trabalhar no Cuida-te + são compostas por profissionais qualificados, com formação nas áreas do programa, com um código deontológico e com prática robusta na intervenção com e para jovens;

– A variedade de dispositivos disponíveis no programa permite-nos direcionar-nos para vários componentes interventivas (resolução de problemas, tolerância à frustração, adiamento da gratificação, gestão da ansiedade, etc); a variedade de temáticas também nos dá espaço para sermos bastante abrangentes no que concerne a assuntos e problemáticas a visar;

– Permite-nos também intervir em complementaridade: se as ações de sensibilização das unidades móveis servem apenas para “tocar ao de leve” uma determinada área, ou só a divulgação do programa, os jovens têm disponíveis, caso pretendam, a ferramenta “coloca aqui as tuas dúvidas” ou a linha telefónica do Sexualidade em Linha; se a educação para a saúde é apenas uma sessão única, o acompanhamento mais sistemático pode ser prestado nos gabinetes de saúde juvenil, etc.

Porquê a aposta na saúde e estilos de vida saudáveis?

Porque a evidência científica disponível aponta para o custo-efetividade da prevenção e da promoção da saúde junto de jovens, justificando o investimento nesta área. Os custos da prevenção têm retornos, não só de natureza económica, mas também na qualidade de vida, saúde e bem-estar das populações. Com efeito, os comportamentos de risco, para além do impacto negativo ao nível da saúde individual, potenciam a desvantagem social, com reflexos negativos, nomeadamente ao nível da integração social e da independência económica. Presentemente, a evidência científica disponível aponta também para que, prevenir a doença e promover a saúde dos jovens passa por criar ambientes que promovam estilos de vida saudáveis, de forma transversal, assim como diligenciar atividades desenhadas para aumentar os fatores de proteção e minimizar os fatores de risco.

Ao longo dos vários anos de promoção deste programa, que impacto é que o programa tem junto dos jovens?

Tem tido um impacto crescente. Neste ano de 2022, só nas ações de natureza de sensibilização (quer as das unidades móveis, quer as da saúde juvenil em portal), visámos 34 879 jovens; no âmbito do aconselhamento, foram feitos cerca de 11 025 atendimentos, na área da capacitação, foram visados cerca de 190 interventores; no portal IPDJ, a secção da saúde juvenil teve 67 185 visualizações. Tem sido uma resposta cada vez mais usada e procurada pelos jovens; inclusivamente, vários dos gabinetes de saúde juvenil têm já uma lista de espera significativa.

E não é de estranhar, este aumento de procura. Os resultados do último questionário português “Health Beahaviour in School Aged Children”, da Organização Mundial de Saúde, salientam que a percentagem de adolescentes que refere sentir-se infeliz tinha aumentado já de 2014 (14,6%) para 2018 (18,3%), mas teve uma subida bastante mais significativa em 2022 (27,7%). O relatório aponta como principal causa para o sucedido as descontinuidades de vivências e aprendizagens de contacto social impostas pela pandemia, o que limitou a oportunidade de experiências sociais e que restringiu o leque no que concerne ao reportório social, comportamental e emocional. Através deste fator se explicam também o aumento das situações de conflito, como as lutas, assim como da tristeza, da insegurança e do medo e, consequentemente, uma maior procura de suporte.

Nos últimos anos a Solsef tem dinamizado as sessões de educação para a saúde através da música do dispositivo 2.2. do programa Cuida-te+ do IPDJ. De que forma vê na relação com a Solsef uma mais-valia para a implementação do programa Cuida-te+?

Exatamente, a Sol sem Fronteiras tem sido a entidade responsável pela promoção de sessões de educação para a saúde, nas 4 áreas de intervenção do programa, através da metodologia ativa da música. Tem sido uma colaboração muito harmoniosa, com grande proximidade e valorizamos muito o cuidado e a dedicação que têm tido, quer a construir e a estruturar as sessões, rodeando-se de bons profissionais, com práticas bem desenhadas, utilizando uma grande diversidade de metodologias na área da musicoterapia, todas elas baseadas na evidência, a informação com que trabalham é útil e fidedigna… e principalmente apostam com grande rigor numa metodologia de pré-e pós teste, que muito prezamos, uma vez que só assim é que vislumbramos os efeitos da nossa intervenção.

 

 

 

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